
A falta de medicamentos distribuídos nos postos de saúde de Fortaleza, registrado há pelo menos dois meses, continua sendo um problema relatado por usuários e profissionais da rede, que reclamam da falta de remédios para condições como diabetes e hipertensão. De acordo com a secretária da Saúde, Riane Azevedo, cerca de 96% do estoque está regularizado.
A solução para o problema foi uma das prioridades anunciadas pela nova secretária, que assumiu a pasta no dia 20 de maio, após a então gestora Socorro Martins pedir para sair do cargo. Em comunicados e anúncios na TV, a Prefeitura tem afirmado que busca regularizar o abastecimento nos postos.
A ex-secretária, Socorro Martins, havia anunciado a previsão de normalizar a situação no mês de março. O prefeito Evandro Leitão (PT) também falou sobre o problema em entrevistas (veja vídeo abaixo).


Prefeito fala sobre estoque de remédios em Fortaleza
“Quando nós recebemos a Prefeitura, a partir do dia 1º de janeiro, nós tínhamos um pouco mais de 30% dos remédios nos postos de saúde. Nós temos aí uma quantidade de 137 remédios nos postos de saúde, não tínhamos algo em torno de 40 remédios que estavam sendo ofertados, então nós tínhamos uma deficiência muito grande”, afirmou em entrevista no dia 4 de abril.
No início de abril, o prefeito afirmou que 84% do estoque estava regularizado.
Ações para distribuir os remédios
Atualmente, a rede de saúde municipal de postos de saúde e CAPS conta com 147 farmácias. Feita pelo Instituto de Saúde e Gestão Hospitalar (ISGH), organização social contratada pela Prefeitura, a distribuição de remédios para estas unidades atende três perfis de farmácias:
- Farmácia básica: com lista de 81 medicamentos
- Farmácia Polo: com lista de 137 medicamentos e presença de farmacêutico
- Farmácia especializada (nos CAPS):com lista de 37 medicamentos e presença de farmacêutico
O abastecimento destas farmácias é realizado de uma a duas vezes por semana, com um sistema informatizado que monitora a necessidade de cada local, conforme explicou ao g1 a secretária Riane Azevedo, nesta terça-feira (27).
Caso seja identificado que a demanda não foi alcançada, existe a possibilidade de acionar rotas extras para abastecer as unidades com o prazo de 24 horas, complementa a gestora.
“A gestão atual tem feito várias estratégias para que a gente possa regularizar esse abastecimento, e hoje nós já temos, na verdade, cerca de 96% do nosso estoque já regularizado”, afirmou Riane Azevedo.
Dentre as estratégias, a secretária destacou:
- Formação de estoques de 60 dias no Centro de Abastecimento Farmacêutico (CAF)
- Avaliação para compra emergencial de itens em desabastecimento crítico, em casos de falta ou não atendimento de prazos por conta dos fornecedores
- Acompanhamento dos estoques das unidades em tempo real
- Melhoria da cadeia de abastecimento para evitar falhas logísticas
- Redução do tempo de abastecimento nos postos
➡️ Não foram especificados pela secretária quais tipos de remédio ainda estão em falta nos postos de saúde de Fortaleza.
Médicos relatam problemas
Farmácia Polo no posto de saúde Benedito Arthur de Carvalho, no bairro Luciano Cavalcante — Foto: Divulgação/Prefeitura de Fortaleza
No início de abril, o Sindicato dos Médicos do Ceará havia recebido várias denúncias de falta de medicamentos. O órgão enviou um ofício para a Secretaria Municipal de Saúde solicitando informações sobre a solução para o problema.
Edmar Fernandes, presidente do sindicato, afirma que a situação ainda não foi totalmente regularizada. Apesar dos comunicados oficiais da Prefeitura sobre melhorias no abastecimento, ele aponta que a situação não é uniforme para os mais de 120 postos espalhados pela cidade.
“O problema é heterogênero. Talvez em algum local até tenha alguns remédios. Mas, na grande maioria, principalmente na parte mais periférica, o desabastecimento é quase total”, denuncia o presidente do sindicato.
Segundo Edmar Fernandes, os medicamentos em falta incluem remédios para controle de pressão e diabetes, antibióticos, remédios para combater verminoses e para alívio de alguns sintomas, como náusea e vômitos.
O presidente aponta os riscos envolvidos no desabastecimento de remédios na atenção básica: do agravamento dos problemas de saúde da população até o impacto na saúde mental das pessoas afetadas.
“Quando não tem o medicamento, as pessoas querem os remédios porque já estão descompensando. Elas têm diabetes, pressão alta… Quando descompensa a pressão alta, a pessoa pode ter um infarto, pode ter um derrame. E aí você vai lotar, vai sobrecarregar os hospitais”, exemplifica Edmar.
A carência de remédios dificulta também a atuação de outros profissionais da atenção básica, como complementa Edmar. Ele aponta que, no caso dos dentistas, a falta de anti-inflamatórios prejudica a rotina para o controle da dor e das inflamações.
Outro termômetro utilizado pela categoria são os relatos de Agentes Comunitários de Saúde (ACS), que fazem um contato mais próximo com a população e escutam as reclamações das pessoas que não têm conseguido receber os medicamentos nos postos.
O presidente do sindicato explica, também, que os diálogos realizados com a Secretaria têm sido motivados principalmente pelos atrasos salariais, com profissionais do Samu Fortaleza e dos Gonzaguinhas e Frotinhas ainda aguardando pagamentos referentes a novembro de 2024.
Dois meses sem remédio para diabetes
Posto de saúde no bairro Parangaba ficou pelo menos dois meses sem insulina, relata moradora — Foto: Google Imagens
Os dois meses que passou sem receber insulina no posto de saúde foram prejudiciais para Maria de Nazaré Lima, de 49 anos, que faz controle da diabetes. Ela costuma buscar os medicamentos na farmácia do posto Professor José Valdevino de Carvalho, no bairro Parangaba.
A moradora também ficou sem receber as agulhas usadas para administrar a insulina e as lancetas utilizadas para medir os níveis de glicemia. Os materiais voltaram a ser distribuídos no posto no mês de maio.
“Eu fiquei com a glicemia descontrolada. Eu tinha até um exame para fazer, não sei como é que vai ser. Eu trabalho e tudo, mas eu não tinha condição de comprar as canetas de insulina”, comenta Nazaré.
Ela explica que, enquanto não conseguia tomar o remédio, a elevação das taxas de glicemia levou a episódios de tontura, mal-estar e alterações no sono.
Na família de Nazaré, os pais dela, de 82 e 84 anos, também dependem dos remédios entregues no posto de saúde. Enquanto a mãe dela tem problemas cardíacos, o pai é pré-diabético e hipertenso.
Quando o posto está sem previsão de normalizar o abastecimento, eles acabam comprando na farmácia o que precisam.
“Eles são aposentados, ganham salário mínimo. Eles não pagam aluguel, mas tudo que eles têm, eles gastam com remédio. Nem sempre os remédios que eles precisam tem no posto”, explica Nazaré.
Ela denuncia que, atualmente, os remédios para o controle da pressão estão em falta na unidade da Parangaba.
Dificuldades para ter atendimento
Posto Janival de Almeida Vieira, no bairro Passaré, em Fortaleza — Foto: Google Imagens
Uma moradora do bairro Passaré, que preferiu não ser identificada, conta que precisou do remédio loratadina e não encontrou na farmácia do posto Janival de Almeida Vieira, há uma semana.
O medicamento serve para o alívio de sintomas ligados à rinite alérgica, como coceira nasal e coriza.
Há quatro meses, a moradora teve um filho. Ela conta que ainda não conseguiu ter nenhuma consulta com pediatra para a criança. E que, sem consulta e sem medicamentos, acaba recorrendo à automedicação em farmácias da rede privada.
“A gente vai no dia da consulta, o pediatra nunca vai. Aí a gente fica remarcando pro outro mês. E ninguém atende o telefone, ninguém liga pra gente pra avisar pra gente não dar viagem perdida com o bebê no sol quente”, reclama a usuária.
“O sentimento é de revolta. Meu filho já ficou doente algumas vezes durante esses meses, e eu vou na farmácia comprar um remédio sem saber. Eu não posso pagar uma consulta porque é caro”, comenta.
A preocupação dela é também com a mãe, que é diabética e já ficou algumas semanas sem receber insulina. Ela explica que, com a percepção de que o atendimento no posto piorou nos últimos meses, ela prefere recorrer à Unidade de Pronto Atendimento (UPA) quando está doente.
Por mais que as UPAs sejam indicadas para resolver grande parte das urgências e emergências, os postos de saúde são consideradas a porta de entrada no Sistema Único de Saúde (SUS).
➡️ Os postos da atenção básica são responsáveis pelo diagnóstico e tratamento de cerca de 80% dos problemas de saúde da população, conforme informativo elaborado pelo Ministério da Saúde para esclarecer quando procurar cada tipo de unidade.
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